quinta-feira, 16 de junho de 2011

Você tem fome de quê?


Ana Carolina Seara


Você trabalhou a manhã inteira, já é quase meio dia... Mas ainda existem coisas a fazer; no entanto, você não consegue desgrudar os olhos da mesa ao lado onde seu colega de escritório devora, com “singular alegria”, um sanduíche. Na verdade, seus olhos não conseguem parar de visualizar o sanduíche, como se, naquele escritório cheio de gente, barulhos, cheiros e luzes, a única figura que te prendesse a atenção fosse o sanduíche - você quase é capaz de sentir o gosto e a textura do sanduíche sendo mastigado e ingerido. E, possivelmente, você está coberto de razão!

Naturalmente, nosso organismo tem um funcionamento perfeito, necessitamos de alimento quando nossas reservas energéticas já foram consumidas, então nosso estômago envia sinais que nosso cérebro identifica como fome e somos “lançados” na busca por alimento para que possamos repor as energias perdidas. Mas, como não vivemos em épocas primitivas, aprendemos a controlar nossos impulsos para nos adaptarmos à vida “civilizada” e, muitas vezes, suprimimos nossas necessidades mais básicas, como a de nos alimentarmos, dormirmos, de irmos ao banheiro eliminar os dejetos e líquidos não assimilados pelo nosso organismo, etc. Noutras vezes, nem sequer identificamos essas necessidades e não entendemos os motivos pelos quais não conseguimos manter a atenção em determinada atividade.

No entanto, apesar dessa tentativa de controle (afinal nem sempre é possível encontrar um banheiro ou um alimento instantaneamente), nossas necessidades vêm para a superfície e isso fica evidente, não obstante o grande investimento de energia para deixar isso de lado.  Voltando à cena do escritório, seria mais ou menos como se você estivesse visualizando um quadro no qual quase tudo é um borrão com forma indefinida, há apenas uma figura nítida que é visualizada, o sanduíche.  Ao saciar sua fome e ingerir o alimento, ele deixa de ser foco e você já é capaz de ver e perceber outros elementos, sem um maior esforço. É o que os Gestalt-terapeutas chamariam de fluxo entre figura-fundo: as necessidades viram figura e o resto, fundo.

Utilizo o exemplo da fome-sanduíche por se referir a uma das necessidades mais básicas, a da ingestão de alimentos, que todos nós um dia já vivenciamos na própria pele - ou no próprio estômago. Entretanto, diariamente estamos lidando com inúmeras necessidades de todas as ordens, muito além das necessidades fisiológicas e, a todo o momento, estamos elegendo figuras, de forma deliberada ou não. 

Se estivermos atentos ao nosso organismo, poderemos observar e nos apropriarmos desses movimentos em direção a determinado objeto. Poderemos entender como, apesar de nosso esforço em nos concentrarmos em determinada atividade, nosso organismo insiste em tomar outra direção. Se estivermos no presente e atentos, é bem possível que evitemos alguns conflitos internos e que aprendamos a distinguir entre o que deveríamos fazer, o que necessitamos fazer e o que desejamos fazer.

E você, tem fome de quê?

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