segunda-feira, 24 de junho de 2013

"Afasta de mim esse cale-se"




Ana Carolina Seara

Há muito tempo vemos notícias de absurdos sendo cometidos com o dinheiro público (o nosso dinheiro). Há muito tempo nos indignamos individualmente e comentamos com os nossos pares sobre leis que são aprovadas e só beneficiam os próprios governantes. Há muito tempo vemos tudo acabar em pizza. Faz  tanto tempo que isso ocorre, que acabamos nos acostumando a fazer parte de um país que nos envergonha. Mas nossa “revolta” nunca passou de uma discussão em pequenos grupos. Há muito tempo nos alienamos consumindo e produzindo, e por não fazer nada com toda a indignação diante desse contexto, nos  banalizamos.

Mas os pequenos delitos foram se agigantando. Os roubos  passaram a ser bilionários. E, como não é possível enganar todo mundo por todo o tempo, cada vez mais, ficamos sabendo de escândalos envolvendo a “elite política” do nosso país. Essa movimentação que teve seu estopim no aumento dos 20 centavos nos transportes públicos foi o ponto de partida.  É possível fazer algo. O povo brasileiro descobre que não é cego, surdo e mudo e pode exigir que seus governantes cumpram seu dever. O povo descobriu sua força na união. Descobriu que possui uma unidade e viu a diferença entre vender sua “alma” e unir-se em prol de um objetivo comum. Foi bonito ver, de jovens a senhores, todos juntos, e se não há consenso nas reivindicações é porque são muitos os pedidos (por qualidade na educação, na saúde, no transporte público, por mais justiça e por leis que punam os corruptos, entre outras coisas). Mas os pedidos são conteúdo. O que mais me chama a atenção é a forma. Algo mudou. Descobrimos que temos BOCA, que podemos ir para a AÇÃO. Descobrimos que todos nós, juntos, somos responsáveis por esse país. Nós todos pagamos a conta no final do mês, pagamos pelo que é feito e pelo que não é feito. Descobrimos que teremos poder se estivermos juntos.

Meu desejo é que essa descoberta mude o rumo das nossas ações, das pequenas às grandes. Do dia a dia, das pequenas corrupções que nos acostumamos a praticar e ver  como “justas”... “se o governo rouba, não investe adequadamente o dinheiro dos impostos, nada mais justo que eu tente burlar os impostos a pagar”. Das filas que furamos no trânsito (ao invés de exigirmos melhores condições de estradas e transporte público de qualidade), do lixo que jogamos no chão (por não existirem lixeiras em todas as ruas), das trocas de favores (os benefícios que recebemos em troca de silêncio e outras coisas) e de tantas e tantas pequenas ações. Se todo esse movimento por mais justiça, direitos (e deveres!!) puder ser muito mais amplo, se esse movimento pudesse propiciar um momento de reflexão e revisão dos nossos valores, terá valido a pena!

É preciso entender que aquilo de que se reclama em alto e bom som nas manifestações que atingiram nosso país (como uma epidemia de bom senso) não se restringe às instâncias governamentais, isso também ocorre no nosso cotidiano, em todas as nossas relações podemos nos deparar com essas questões... na família, nas relações de amizade, nas empresas, no comércio, etc. Acostumamo-nos a aceitar o que não gostamos, a aceitar a falta de clareza, a aceitar imposições arbitrárias que nos fazem pensar que o semelhante duvida da nossa inteligência (ou talvez ele duvide da nossa capacidade de reação frente ao que seria inaceitável). Com isso (sem reagir) nos tornamos um país de “bundões”, uma nação de “reclamões”. Reclamamos muito, fazemos pouco para mudar. Aceitamos muito, reivindicamos pouco.  A movimentação das ruas das últimas semanas me faz pensar que algo pode mudar... e que essa mudança pode começar com cada um de nós se “empoderando” da sua voz.

Meu trabalho na clínica como psicóloga de abordagem gestáltica é permitir que as pessoas possam descobrir seus desejos e encontrem uma forma de dar voz a eles, que voltem a assumir a responsabilidade pelas suas escolhas e encontrem um caminho. Cada caminho é único e, para onde ele leva, não temos como saber. Só sabemos que trilhar o caminho que nós escolhemos é voltar a nos apropriarmos do nosso corpo e de nossas escolhas - e essa sensação é muito boa!! 

2 comentários:

  1. Muito bom o texto! Realmente ... a sensação é muito boa!

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  2. Esse desejo que nos orienta, como é importante para a nossa motivAÇÃO!!!!!

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