sábado, 30 de outubro de 2010

Trair e coçar

Ana Carolina Seara

Um dos temas mais polêmicos da atualidade, quando se fala em relacionamento, é a traição. Não estamos longe do tempo em que as mulheres se acomodavam a tal sorte em função de aspectos culturais e de uma sociedade com valores tipicamente machistas. Pouco tempo depois, acompanhado de uma mudança do lugar da mulher em nossa sociedade, que ganhou espaço como força de trabalho e muitas vezes como provedora da casa, ocupando um outro lugar frente às decisões da família, as mulheres passaram a questionar “por que os homens traem?” A sociedade mudou, a tecnologia evoluiu e atualmente estamos diante de um quadro em que de vítimas, as mulheres passaram a algozes. Hoje elas estão do outro lado. E agora essa possibilidade e pergunta parece ecoar também na cabeça dos homens. Todas essas rápidas mudanças refletem não apenas uma mudança de paradigmas, mas também revelam o sofrimento que se descortina de relacionamentos que não dão conta de satisfazer as necessidades das pessoas que neles se encontram.
 
Mas o que as pessoas buscam? Ou do que fogem ao escolher o caminho paralelo? E, na busca por respostas, poderíamos encontrar: a de que o relacionamento não satisfaz mais, ou a de que culturalmente é permitido, ou que é um hábito... Muitas respostas, mas poucas dão conta de satisfazer traídos e traidores. São situações que inevitavelmente levam ao sofrimento de alguma das partes ou de ambas. Esse sofrimento pode ser gerado pela quebra de um pacto de fidelidade, no qual aquele que trai se encontra traindo seus próprios princípios, e aquele que é traído tem de optar entre a reputação e orgulho feridos e o amor que muitas vezes permanece. E a escolha do caminho a seguir não é uma decisão fácil.
   
Em algumas relações que continuam apesar da traição, não é raro a existência de cobranças de dívidas por aquele que se sentiu lesado, dívidas essas que podem nunca cessar. Quando as relações acabam, muitas vezes o impacto gerado faz com que as pessoas tenham receio de se envolver novamente, com medo de que a cena se repita. Salvo os casos em que existe um acordo prévio e um contrato explícito ou implícito em que a traição é aceita pelos cônjuges e se torna uma forma de manter a união (casos mais raros e com suas particularidades), na maioria das situações, entre mortos e feridos, poucos saem ilesos dessa batalha.
 
Mesmo quando parece não haver sofrimento, nas situações em que o traidor acredita ter sólidos motivos para sua ação, ou em que o traído encontrou enfim uma razão para dar fim a um relacionamento que não o satisfazia mais; estamos diante de saídas pouco lógicas. Afinal, quando algo não vai bem é preciso descobrir onde está o problema. Ou você vai querer arrumar um vazamento de água desligando o disjuntor de luz? Existe um ditado popular que diz: “trair e coçar, é só começar”: de fato pode até ser, mas, se a coceira existe, não seria mais sensato tentar descobrir seus motivos? Ou seja, nesse caso a pergunta poderia ser: você prefere olhar para a causa ou para o sintoma?
 
Opinar sobre o relacionamento alheio sempre parece mais fácil, mas, quando se é alvo desse tipo de situação, como ativo ou passivo do processo que leva a uma traição, tudo pode ser diferente. Nesses momentos em que todas as alternativas parecem insatisfatórias, buscar aconselhamento de um profissional pode ser uma saída. Pois é preciso entender o que nos faz escolher esse ou aquele caminho, para que as mesmas batalhas não se repitam, ou para que se possa encontrar saídas mais criativas para uma questão humana, porque coçar pode até aliviar a coceira, mas não resolve o problema...

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